No interessante
Onde Encontrar a Sabedoria? (Ed. Ponto de Leitura), o respeitado crítico
norte-americano Harold Bloom observa que, ao longo do tempo, as pessoas sempre
recorreram aos livros e aos autores famosos com o objetivo de se tornarem mais
sábias. Leitura, esse era o raciocínio, pode ser uma coisa difícil, mas o
esforço valeria a pena se, como resultado, a pessoa se tornasse mais sábia.
Cabe, contudo,
a pergunta: será que este é um sonho comum à humanidade? Será que todos nós
queremos a sabedoria? Será que no Brasil, em particular, é este um ideal?
Tenho minhas
dúvidas. Sabedoria é uma condição que resulta de uma profunda compreensão do
mundo e da condição humana. Nós não nascemos sábios, não nascemos com esta
compreensão; temos de adquiri-la através da vida, e isso se faz mediante
conhecimento (daí a necessidade da leitura) mas também graças ao
“insight”, o “conhece-te a ti mesmo”, de Sócrates, mediante o qual aprendemos a
não nos deixarmos iludir por nossa arrogância, a reconhecer nossas limitações e
defeitos, a pensar e a agir de forma serena e desapaixonada. Agir, sim;
sabedoria não é só pensar bem, não é só ter conhecimento e entender as coisas.
Sabedoria é agir bem, resolvendo os problemas de forma eficaz, mas de forma
ética, decente.
Um
componente importante da sabedoria é a inteligência, a palavra que vem do latim
e quer dizer entendimento. A pessoa inteligente entende, mediante o raciocínio
e a experiência, as coisas, mesmo complexas. É uma habilidade que, diferente da
sabedoria, pode ser avaliada, e até quantificada; daí os testes de
inteligência, incluindo o famoso QI, quociente de inteligência, aliás objeto de
controvérsia nos últimos anos.
Ser
inteligente não é ser sábio: na sabedoria o furo está mais acima. A pessoa
inteligente nem sempre age bem; a história da humanidade está cheia de
vigaristas que aplicavam e aplicam golpes inteligentíssimos (os hackers, por
exemplo). No fim essas pessoas se dão mal, exatamente porque lhes falta esse
conhecimento maior que é a sabedoria.
Isso
é ainda mais verdadeiro no caso da astúcia, que não é sabedoria nem
inteligência. É uma coisa menos sofisticada, mais primitiva, daí porque, nas
fábulas, é simbolizada por um animal, a raposa. A raposa não é sábia nem
inteligente; a raposa é astuta. Astúcia é a habilidade de enganar; astúcia é
manha, esperteza. Zélia Duncan diz isso na letra de uma música: Astúcia,
astúcia/O que te faltou foi astúcia/Pra roubar meu coração faltou muito
pouco/Era só ter procurado no outro bolso. Astucioso é o cara que procura no
outro bolso; é o cara que sabe como roubar. Isso explica por que a astúcia é
ainda tão valorizada no Brasil: porque representa uma maneira fácil de conquistar as
coisas, de subir na vida.
Se
vocês perguntarem a alguém como se ganha eleições, se com sabedoria, com
inteligência ou com astúcia, a pessoa certamente optará por esta última alternativa,
atrás da qual estão séculos de safadeza e de corrupção. Mas é que as duras
condições da vida em nosso país, a pobreza, a desigualdade, deixaram esta
lição: para sobreviver é preciso ser astuto, esperto. É muito glamouroso ser
inteligente, é digna de admiração a pessoa sábia; mas, quando se trata de
salvar a pele, o melhor mesmo é a astúcia.
Compreensível.
Mas não satisfatório. Nós só chegamos à verdadeira maturidade quando a astúcia
reconhece a importância da inteligência e quando esta é um recurso para atingir
a sabedoria. Um Brasil sábio deveria ser o nosso objetivo maior.
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